Quarentena pode acelerar obsolescência de produtos eletrônicos

Eu fico conectado o dia inteiro. Estou de home office e uso muito o celular, pelo conexão à rede, aplicativo para fazer alguns trabalhos, reuniões por vídeo conferência. Eventualmente preciso de uma edição de vídeo e imagem, e todos eles são adaptados à tecnologia”, comenta Rener Lopes, diretor-executivo e locutor da web rádio Esportes Brasília. A pandemia do novo coronavírus gerou um novo paradigma para as relações de consumo. Com mais tempo em casa, a população acelera o processo de obsolescência dos equipamentos eletro-eletrônicos.

A situação é acompanhada pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). De acordo com Clauber Leite, coordenador de Energia e Consumo Sustentável do instituto, ainda não há números oficiais que comprovem a escalada de problemas em aparelhos, mas o nível de reclamações durante a crise de saúde aumentou. “Os dados do Procon [Programa de Proteção e Defesa do Consumidor] não permitem uma análise científica, mas mas o sentimento é esse”, aponta o especialista.

Segundo ele, o principal ponto é que produtos usados anteriormente para entretenimento agora são usados profissionalmente. É o caso de Rener. Em teletrabalho desde o início da pandemia, os equipamentos caseiros agora ficam ligados cerca de 14 horas por dia. “Eu fico conectado de 8h à meia noite. Todos os trabalhos que eu tenho demandam acesso à internet o dia inteiro. Só paro em hora de almoço”, relata o radialista.

Para estender o tempo de uso dos aparelhos, sobretudo os da web rádio, muito cuidado. “Nosso equipamento tem manutenção regular para que ele possa durar mais. Limpeza e higienização de microfones, da espuma para o locutor falar”, afirma o narrador. Lopes afirma ainda que, na hora das compras, atenta-se ao consumo de energia e à durabilidade de aparelhos. “Passei três anos com um aparelho celular, e só troquei porque deu problema no microfone. Peguei um aparelho melhor, com carga de bateria melhor”, aponta.

A fiscalização e o controle de práticas abusivas na fabricação dos produtos no Brasil e na importação de bens de consumo estrangeiros é responsabilidade do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualificação Industrial (Inmetro). À reportagem, porém, o Inmetro encaminhou a Portaria nº 371/2009, do próprio órgão, que versa sobre aspectos de segurança de produtos eletrônicos – não sobre duração e aspectos de fabricação. Com a norma, fabricantes de “aparelhos eletrodomésticos e similares” foram obrigados a atender novos requisitos de certificação a partir de 2011.

Bode expiatório

Apesar dos graves e sensíveis efeitos nas relações de consumo da população, o processo de perda da vida útil de aparelhos eletrônicos não é exclusividade do cenário de pandemia. Para Leite, em situações normais já se percebia a inutilização de equipamentos por defeitos programados nas fábricas. “Antes da pandemia, já era precário. Não havia fiscalização rotineira. Carece de algo mais agressivo de defesa ao consumidor. A gente sabe a garantia, mas não sabe a vida útil do produto que compramos”, aponta o coordenador.

Conforme publicações do Idec, a maior parte das reclamações se dá por defeitos logo após o fim da garantia. “O que é mais comum é um produto perder a garantia e logo na sequência apresentar falhas, como superaquecimento e lentidão. Pode ser um vício proposital que fica oculto durante a garantia”, explica Clauber. Nesses casos, segundo ele, o consumidor deve buscar experiências semelhantes de outros usuários e pedir ressarcimento à própria empresa.

O problema é que a comprovação da prática de obsolescência programada é complicado. “Como um leigo vai comprovar que o produto que comprou deveria durar mais? É difícil, mas, em alguns casos, fica claro pelo tempo de uso. Uma geladeira não pode durar seis meses, por exemplo”, aponta Leonardo Memória, especialista Direito do Consumidor. Ainda assim, decisões anteriores no âmbito judicial podem ajudar nos pleitos relacionados. “Já jurisprudência nos tribunais, sobretudo pela indicação do tempo ideal de uso de equipamentos”, aponta o advogado.

Nocivo ao consumidor, nocivo ao meio ambiente

Os hábitos de compras de Lopes são um exemplo a ser seguido, de acordo com o coordenador do Idec. Para Leite, os efeitos do consumo desenfreado de eletroeletrônicos é perceptível nos recursos naturais – sobretudo os que se enquadram como matéria-prima. “A fabricação exige insumos, aumenta emissão de gases poluentes. Alguns exigem minérios, e acabam com esses recursos. Se não houver uma cadeia circular, com reutilização de matéria-prima, vai ser sempre um consumo predatório”, preocupa-se Clauber.

Ele acrescenta ainda que não há, no Brasil, uma legislação eficiente para conter o abuso no consumo, no descarte e até mesmo na fabricação dos produtos, que não necessariamente se limitam aos aparelhos tecnológicos. “Não existe política de consumo sustentável. Um exemplo são as cápsulas de café, que não são uma necessidade Na Itália, onde surgiu, não sabiam como reciclar as embalagens, e foi preciso uma reestruturação do processo de fabricação”, exemplifica.

Clauber lembra também que o consumidor, muitas vezes culpado pela compra de produtos nocivos ao meio ambiente ou ao desperdício de água, é apenas a ponta do processo. Para ele, há uma espécie de esquecimento dos principais responsáveis na cadeia produtiva. “O Idec defende a transparência das informações do produto, que seja indicada a pegada hídrica – ou seja, quanto de água aquele produto consumiu na produção”, aponta.

De acordo com o raciocínio, aí, sim, haverá mais capacidade de conscientização e responsabilização dos compradores. “Isso mostra o impacto ao consumidor, que pode gerar uma mudança”, finaliza Leite. Algo que Rener já se preocupa quando entra numa loja, seja física ou virtual. “Eu busco coisas mais duradouras porque eu acabo economizando energia elétrica, e posso fazer minhas atividades de maneira mais rápida e prática”, completa o locutor.

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